Entre 1963 e 1967, Stanley Milgram, psicólogo norte-americano, realizou uma das mais controversas experiências da psicologia experimental sobre obediência à autoridade. A cobaia, no papel de “professor” voluntário, ficava sentada a uma secretária com acesso a um microfone e a uma falsa máquina que, sob o seu comando, infligia choques eléctricos. Na mesma sala, a presença física da autoridade do “investigador” fazia-se sentir dando ordens de comando para avançar na experiência. À leitura de um questionário a um compadre, no papel de “aluno”, visível para a cobaia e sentado numa espécie de cadeira eléctrica na sala contígua, com eléctrodos nos braços presos á cadeira, era-lhe induzida uma descarga eléctrica a cada resposta errada, através da máquina. À medida que se iam repetindo as respostas propositadamente erradas, subia a intensidade das descargas, cuja escala ia de 75 (nível mínimo) a 450 Volts (nível máximo). Incólumes aos queixumes das vítimas, cerca de 65% das cobaias obedeceram cegamente às ordens verbais do investigador até ao final e deram o choque pretensamente fatal.
A este resultado surpreendente, Milgram e outros psicólogos identificaram factores situacionais e de personalidade que poderiam justificar tal propensão para a obediência, entre outros, a proximidade física da vítima (quanto mais perto e visível estivesse a vitima mais recusas em obedecer); o contrário verificava-se com a proximidade da autoridade em que quanto mais próximo maior a obediência (explicada pelo embaraço da confrontação directa). A pressão do grupo variava, consoante este fosse coeso (praticamente não influenciava nos resultados) ou houvesse divergência de comportamentos, situação que tinha grande impacto na diminuição da obediência, talvez porque o poder da autoridade era posta em causa pelo próprio grupo. Verificaram ainda que o prestígio da instituição que o experimentador representava não era determinante. Relativamente á personalidade do sujeito, existem variáveis que perecem influenciar positivamente a decisão de obediência como é o caso de indivíduos tímidos ou submissos.
A experiência de Milgram foi alvo de duras críticas e ainda hoje levanta controversas questões de ética sobre o seu desenvolvimento e a capacidade de iludir os intervenientes. Os mais críticos, como Baumrind (1964) afirmara que a experiência colocava em risco a saúde emocional e o bem-estar dos participantes. Kohlberg criticou o facto de Milgram se ter servido dos sujeitos para compreender e dar publicidade aos achados em vez de a ter utilizado como um veículo de diálogo e educação moral. Outros houveram que se posicionam ao lado de Milgram apoiando a sua capacidade de experimentação concordando que sem simulação não existem conclusões.
Creio que o objectivo de Milgram foi estudar o fenómeno Eichmamm no homem comum numa perspectiva científica e social e que os cuidados por ele tomados no acompanhamento dos sujeitos justificaram a sua preocupação com o bem-estar e a ética científica. O facto de não ter havido por parte do experimentador qualquer atitude física agressiva posicionava as cobaias numa tomada de decisão própria, e embora em alguns casos a presença apenas física da autoridade condicionasse as decisões (variáveis de personalidade), entre os intervenientes não existia qualquer tipo de moralidade ou lealdade pois eram desconhecidos. O conceito de ética, varia consoante o paradigma social e a ascensão dos direitos humanos e dos direitos individuais. Desde o final do séc. XX estas questões têm vindo cada vez mais á colação (e bem). É certo que, se a experiência tivesse ocorrido nos princípios do séc. XX as criticas seriam outras. Independentemente dos resultados obtidos ou da sua generalização, Milgram teve a ousadia e a coragem de nos pôr a pensar sobre a essência da obediência, não só nos seguidismos cegos a um líder, mas também nas empresas e nas comunidades, e esta factualidade é central em relação ás criticas, que a meu ver sofrem mais de uma moralidade escondida (por exemplo a questão de desobediência civil ou a religiosidade) do que de preocupações éticas.
Já quanto á generalidade dos resultados (outras das criticas apontadas), ela apenas poderá ser colada ao mundo ocidental e industrializado. O aparecimento da sociedade de consumo e do individualismo em detrimento da solidariedade pode explicar os resultados obtidos nos diferentes países. A questão fica por esclarecer em outros contextos culturais, nomeadamente no continente africano, asiático ou mesmo na Europa do leste. Penso que a experiência de Milgram tem o mérito científico de tornar consciente o conflito entre as regras sociais e o livre-arbítrio. O caminho não está na obediência cega ou na desobediência civil, mas sim numa educação virada para a chamada cidadania na democracia.
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