A pobreza tem sido dos fenómenos sociais mais estudados. Particularmente desde 1999 quando Amartya Sen publicou uma nova perspectiva sobre “desenvolvimento” (1) contrapondo as teorias tradicionais. Entendimento que veio a ser reforçado pelos estudos desenvolvidos por Deepa Narayan sobre a pobreza (2). A partir destes dois investigadores o fenómeno da pobreza deixou de ser entendido apenas como um conceito económico para passar a incorporar fatores sociais, políticos e de liberdade individual. Fundamental nesta defesa, importa reter a implicação que a condição de pobreza tem na limitação dos exercícios das diferentes liberdades e na tomada de decisão. Implicação que a neurociência ajudou a compreender.
Esta semana saiu um novo estudo sobre a pobreza: “Pobreza e exclusão social em Portugal: uma visão da Cáritas” (4) . Nada de novo. Olhou para os indicadores e confirmou que o combate à pobreza em Portugal não registou progressos significativos na redução dos pobres. Dados da Pordata (2022) indicam que 41,8% dos portugueses incorrem em risco de pobreza (antes das transferências sociais) (3). O que assistimos nas conclusões destes estudos é que são invariáveis. Melhores políticas públicas, mais exigentes (?) e direccionadas às necessidades dos pobres. Na prática esquecem sempre, sempre, de falar na importância e necessidade das organizações locais de reinventarem, serem colaborativas, irem mais longe do que a distribuição de alimentos e, fundamental, ouvirem aqueles que disto são beneficiários. Não quero com isto desvalorizar a importância básica da distribuição de alimentos. Sem isso todo o combate à pobreza cai por terra.
Mas vejamos.
Segundo o estudo recente de 2019 do INE com a Cooperativa António Sérgio (CASES) sobre Economia Social (5), cerca de metade das organizações do sector não estabelecem parcerias com outras organizações e cerca de 90% não medem o impacto social junto dos beneficiários. Dados que constituem um paradoxo na prossecução dos objetivos da Estratégia Nacional de Luta contra a Pobreza, nomeadamente no eixo estratégico sobre coesão territorial e desenvolvimento local. É importante que as organizações partilhem informação e criem um espaço colaborativo, não só entre elas mas com toda a comunidade, desprovido de interesses e mediatismos. Que os organismos públicos locais coordenem, facilitem e promovam essa actuação local.
Segundo o estudo de Narayan, do ponto de vista dos pobres, a pobreza é muito mais do que apenas a pobreza material. Ouvindo as suas perspectivas, as organizações são “desarmadoras” e “excludentes”, são fracas na resolução e estão desligadas devido à falta de informação, de educação, de aptidões e de confiança. Nas relações positivas que os pobres estabelecem com as organizações a necessidade de serem ouvidos subsiste como um principal problema de relacionamento. Por todos esses motivos, as pessoas pobres sentem-se excluídas e sem nenhuma influência sobre decisões que impactam directamente nas suas vidas. . É importante que as instituições implementem entrevistas regulares por forma a perceber melhor as dinâmicas das limitações e necessidades dos agregados e procurem concretizar objectivos multidisciplinares de apoio.
Após ler este estudo (mais um), é importante ter presente que a pobreza é um fenómeno complexo e multidimensional, influenciado por uma combinação de fatores individuais e sistémicos. Portanto, uma compreensão completa da pobreza requer a consideração de várias perspetivas e fatores interrelacionados. Instituições e comunidade podem ser habilitadas a experimentar, a testar coisas novas, em seu benefício e dos pobres.
(1) Sen, A. (2003). O Desenvolvimento como Liberdade (1º ed.). Gradiva
(2) Narayan, D., Chambers, R., Shah, M.K., Petesch, P. (2000). Voices of the Poor: Crying Out for Change. New York. Oxford University Press for the World Bank
(5) I.N.E. - Instituto Nacional de Estatística (2020). Inquérito ao Setor da Economia Social – 2018
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