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A mostrar mensagens de 2019

O Alentejo

  O Alentejo tresanda a porco preto Pedi migas com espargos e o empregado, sem dar importância ao meu olhar perguntou: e acompanham o quê? lagartos, abanicos, plumas ou secretos? disparou. Esforcei-me para perceber porque a cegonha branca volta sempre. Umas postinhas de cação fritas seria bom. - Não temos! O Alentejo está a substituir o ecossistema gastronómico. Trocou a sericaia, a encharcada e o pão de rala pelo pudim, cheesecake e bolo de bolacha. As cores do montado estão a ser substituídas pelo verde intensivo da azeitona. Espero que a cegonha nunca chegue a perceber o que é o desencanto.

A Serra

Se em algum dia conseguir expressar o que sinto nestes lugares posso morrer sem medos. Tento-o sempre baixinho não vá a morte resgatar-me à felicidade. A serra tem estes desfechos até em lugares onde a luz do sol tem medo de entrar. Na aldeia onde reza ser a primeira com iluminações de natal led, o caldo verde fez jus à couve serrana em final de caminho, num pequeno espaço quadrado que o xisto comprimia. A um dos cantos uma jovem quase bem-parecida tirava selfies sem profundi dade como se o mundo fosse acabar de seguida. Depois de tudo, pensei, só pode ser uma manifestação do vazio, prenúncio do resgate da morte. Interrompi a apneia quando reparei na frase do pacote de açúcar, que acompanhava o café, colocado estrategicamente à minha frente, que profetizava: “O canhão da Nazaré está pronto a disparar”.

Deus

Ensinaram-nos que houve um outro que morreu para expiar as nossas falhas. A partir daí vivemos na culpa do medo de ter que ser à sua imagem. O logro atrofia, esvazia-nos da aceitação e carrega-nos para o castigo de uma consciência atormentada. Gostava de compreender este retrocesso que limita as nossas escolhas e teimamos em não questionar. Hoje perguntaram-me quais os desejos para 2019. Apenas um, livrar-me da propiciação que resta.