A semana passada o Banco de Portugal divulgou os resultados nacionais à literacia financeira da população portuguesa.
O estudo, efectuado por inquérito presencial, teve uma amostra de 2000 entrevistados com idade igual ou superior a 16 anos. Margem de erro de 2,2% para uma probabilidade de 95%.
As dimensões analisadas e síntese dos resultados foram as seguintes:
Inclusão financeira (a conta bancária como factor de integração social e também um indicador utilizado na comparação do desenvolvimento económico internacional) :
Cerca de 11% da população não tem conta bancária. Destes, 10% são trabalhadores por conta de outrem e mais de metade tem entre 16/24 anos e acima de 70 anos. Dos que têm conta, 29% não tem outros produtos financeiros para além do deposito à ordem. Estes valores estão em média com os restantes da OCDE.
Os produtos bancários mais comuns são: Seguros (37%); Cartões de Crédito (32%); Depósitos a Prazo (31%); Crédito Habitação (26%) e Descoberto bancário (25%). Observa-se uma correlação positiva entre a posse de produtos financeiros e o nível de escolaridade. A esta distribuição não é alheio o facto dos diversos grupos financeiros terem/serem accionistas de seguradoras ao que este mercado veio a tornar-se preferencial face a uma bancarização já estagnada.
Gestão da conta bancária: (a utilização dos diversos meios de pagamento, controlo e acompanhamento dos movimentos financeiros e do saldo da conta):
O meio de pagamento mais utilizado é o dinheiro (53%), creio que tendencialmente para aumentar devido não só às alterações fiscais mas à desconfiança nas lideranças. O cartão de débito representa 44%, cheques e cartões de crédito têm expressão reduzida o que, penso, se marginalizará face ao aumento do crédito mal parado.
Uma outra variável que para mim explica a forte desconfiança nacional na transparência e qualidade de serviços economicamente estruturais, como a água ou a luz, é que apenas 44% dos inquiridos afirma ter autorizado débitos directos.
Dos entrevistados, apenas 8% utiliza a internet como meio de monitorização da sua conta bancária, situação que, como sabemos, nem o magalhães ajudou a contrariar ajudado pelo facto de termos a internet das mais caras da Europa. 54% verifica a conta mais do que uma vez por semana e 11% admite não ler o extracto, o que, face às desigualdades sociais, ficamos sem saber se é por não terem saldo ou por terem alguém que o faça por eles.
Indicador que poderá ter as mesmas explicações qualitativas, é que apenas 9% escolhem o banco pelos custos ou remuneração. E 82% nunca consideraram a mudança de banco, também aqui seria importante apurar se é por estarem satisfeitos ou por considerarem que todos os bancos são iguais.
Planeamento de despesas e poupanças: (identificação dos rendimento familiar, previsão de despesas e poupança)
Aqui está uma dimensão historicamente cara ao português. O planeamento, familiar, profissional ou outro. Os portugueses não planeiam e isso pouco interessa para o típico desenrascanço nacional. Dos inquiridos, apenas 51% considera que esta é uma tarefa muito importante, 38% importante e 11% pouco ou nada importante.
Os rendimentos médios nacionais estão abaixo (bastante) da média europeia o que explica que 48% de todos os inquiridos não faz poupanças apontando como razão principal a falta de rendimentos. Dos 56% que o fazem são para precaver despesas imprevistas e apenas 30% o faz numa perspectiva de longo prazo o que explica a diferença geracional e em como houve valores que não passaram às novas gerações.
Contrariamente à ideia de endividamento generalizado, 84% dos inquiridos nunca ou raramente recorre a crédito para fazer uma compra e só 8% já recorreu para comprar coisas desnecessárias.
Escolha de produtos bancários: (motivações, critérios e informação utilizados na escolha):
A relação de proximidade e confiança entre o cliente e o gestor continua a ser o factor principal na escolha sendo que 54% apontam como factor principal o aconselhamento do balcão e só 25% a influência dos amigos ou familiares. Apenas 8% suportam as suas decisões em comparações de produtos.
O comportamento conservador continua a marcar o cliente bancário tipo. Nas poupanças a preferência vai para o baixo risco (26%) e rentabilidade (27%) e apenas 16% por razões fiscais. Mas só 16% sabe exactamente as taxas de remuneração.
Já nos empréstimos apenas 22% sabe a taxa de juro, o que não dá para admirar já que toda a gente que saber é o valor da prestação que vai pagar, o que também explica que 10% não sabe exactamente o regime do seu crédito habitação e apenas 39% sabe exactamente o spread do empréstimo. Generalizando, pode-se afirmar que quase dois milhões de portugueses têm crédito habitação, mas são poucos os que sabem qual o spread. Esta situação está também fortemente correlacionada com o nível de escolaridade.
Outra medida assustadora é que apenas 13% dos inquiridos devedores sabe a proporção dos encargos gerados no rendimento (taxa de esforço). Lá voltamos nós à falta de planeamento.
Compreensão financeira: (conhecimento sobre conceitos financeiros básicos e características dos produtos):
Pasme-se.
Dos entrevistados apenas 17% sabe o conceito de spread e 9% o de euribor que é o indexante da maioria dos empréstimos habitação.
45% considera os PPR como aplicações de baixo risco o que não é verdade para aqueles que têm acções ou obrigações na sua composição.
31% considera que os depositos a prazo são aplicações de risco médio/elevado, quando têm capital garantido.
Os resultados deste importante estudo só aos mais distraídos causa admiração. De facto, não é alheia a forte correlação entre o nível de escolaridade e as médias das respostas obtidas, mostrando claramente que a educação esteve, nos últimos 30 anos, afastada dos objectivos dos políticos nacionais.
Aliás, não me admirava nada que os mesmos resultados se verificassem na grande parte dos gestores das nossas PME’s.
Sendo a literacia a capacidade para utilizar a leitura, a escrita e o cálculo para resolver questões da vida quotidiana, é pois claramente enviesada e de provocação duvidosa a frase do governador do Banco de Portugal quando disse: “temos que assegurar, do ponto de vista ético, que [os bancários] no balcão encontram o equilíbrio adequado entre o interesse da instituição, que é vender, e o do cidadão, que é manter-se solvente”. Primeiro porque a literacia, seja ela qual for, está fortemente correlacionada com a educação e a cultura de um povo, tornando os bancários apenas um dos intervenientes no processo e nem dos mais importantes. Depois, e sem querer desresponsabilizar comportamentos graves e éticamente reprováveis, desde há alguns anos a esta parte, os bancários nos balcões sofrem enormes pressões objectivas, em que a avaliação e gestão das suas carreiras é baseada nas competências de venda, ao que associado com a baixa média de idades no sector, faz com que seja muito difícil estabelecer esse equilíbrio entre a qualidade e a quantidade, situando o núcleo do problema na gestão.
Nesta dimensão os bancários têm feito um excelente trabalho de terreno como prova o nível de confiançae de proximidade entre o cliente e o gestor.
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