Deveria estar, por ai, nos meus 9 anos de idade quando comecei a jogar ténis de mesa no Sporting Clube de Alenquer, saído do rancho folclórico por não consegui segurar o barrete na cabeça aquando os rodopios dos verde-gaio ou dos viras. Por pequeno na altura, mal conseguia chegar aos pontos fechados da mesa não se constituindo isso na impossibilidade de prosseguir a aprendizagem dos movimentos rápidos de pernas e spins que, mais tarde, haveria de conseguir. A culpa pela persistência foi do Jorge Catarino, figura carismática do ping-pong em Alenquer que me arranjou uma raquete à medida da mão, fazendo-me esquecer o barrete que me caía, e que o Zé Maria nunca conseguiu ajustar na cabeça para os rodopios. Se a mesa do ténis de mesa foi a medida para o meu crescimento físico, o Jorge Catarino, mais do que os meus pais, foi o mentor para o meu desenvolvimento social, e o culpado por, aos 12 anos, já estar na posse da chave de casa para chegar depois da meia-noite.
Um dia destes encontrei-o, agora
com quase 80 anos, com o mesmo brilho nos olhos quando se fala em ténis de
mesa. Continua a ir às escolas de Alenquer à procura de jovens e a treiná-los
com o mesmo rigor e verdade desportiva com que me obrigou a crescer. Está muito
difícil encontrar miúdos para jogar ping-pong, dizia-me ele. Prosseguia na
lamentação: agora todos querem ser o Ronaldo, até mesmo as miúdas já só querem
jogar futebol. Mesmo indo busca-los e pô-los a casa não querem, e os pais
também já só ligam ao futebol.
José Vala, treinador do Caldas
SC, dizia esta semana, depois de jogar em casa com o Benfica e estrear um
relvado novo que custou 250 mil euros, que tem 400 miúdos a treinar futebol e a sua preocupação é saber
se estes miúdos têm transporte para regressar a casa depois do treino. Universo
diferente, preocupações distintas.
O futebol faz mal à sociedade porque distrai da noção de bem-estar individual e social. Esvazia-a das mentes, o que é central para que o futebol viva.
Não parecem existir estudos em Portugal sobre o nível de escolaridade no futebol profissional. Mas basta atender a uma notícia recente que mereceu honras de primeira página sobre o António Silva (18 anos), jogador do Benfica, na qual ele dizia que a sua preocupação, agora, é acabar o 12º ano, para perceber o quanto esta ideia universal de que o conhecimento é fundamental para o desenvolvimento humano, crias noticias.
Segundo a ONU, a educação é fundamental para que:
"que todos os alunos adquiram conhecimentos e habilidades necessárias para promover o desenvolvimento sustentável, inclusive, entre outros, por meio da educação para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida sustentáveis, direitos humanos, igualdade de género, promoção de uma cultura de paz e da não violência, cidadania global e valorização da diversidade cultural e da contribuição da cultura para o desenvolvimento sustentável" (Fonte Nações Unidas. https://unric.org/pt/objetivo-4-educacao-de-qualidade-2/)
Num pequeno estudo para tese de mestrado, no estado do Pernambuco no Brasil, da amostra, 14% tinha o ensino básico, 70% o ensino médio e apenas 16% o ensino superior, concluindo que a educação não é, nem de longe nem de perto, o maior investimento que os jogadores, clubes e empresários colocam como prioritário. Pese embora o risco da extrapolação da conclusão para a generalidade, seja no Brasil seja para o panorama em Portugal, o senso comum não deverá andar muito longe.
O futebol profissional cria a ilusão de que a excecionalidade está ao alcance de qualquer um. Singularidade que, alcançável a poucos, persiste nos comuns. Alimenta o sonho de ganhar milhões para sustentar reformas idílicas. Um absurdo. Jogar no euro milhões é uma melhor tentativa já que a cegueira é diluída pela esperança. No futebol, a esperança e o sonho, estão viciados pela vulgaridade que não existe nos Jorges Catarinos.
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